segunda-feira, 20 de novembro de 2017

vamos falar de Consciência Negra?

Vamos falar de Consciência Negra?[1]
Luiz Ketu[2]
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) da Constituição Federal de 1988.
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.” Lei 10.639-03
“Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Lei 11.645/08
Vamos falar de Consciência Negra?
Após luta dos movimentos negro e quilombola pelo reconhecimento de lideranças negras que o Brasil sempre insiste em invisibilizar, o dia 20 de novembro foi escolhido como o Dia Nacional da Consciência Negra.
Dia em que Zumbi dos Palmares foi assassinado, após liderar o Quilombo de Palmares que resistiu quase 100 anos, até ser destruído com apoio do Estado!
Palmares fora destruído, mas em nossas veias corre o mesmo sangue de luta e RESISTÊNCIA de Zumbi, Dandara, Carolina Maria de Jesus, Cartola, Chiquinha  Gonzaga, Bernardo Furquim, Rosa Machado, Vandir de França, Carlito, Nizete, Luiza Mahin, Mãe Menininha, Machado de Assis e tantos outros e outras !
Muita gente ainda insiste em falar que devemos ter “Consciência humana” e não “Consciência negra”, já que somos todos humanos, não é mesmo?
 Mas ... onde está a sua “consciência humana” para analisar o fato de serem os negros as minoria nas universidades?
Onde está sua “consciência humana” quando o Atlas da Violência de 2017 revela que 3 jovens negros são assassinados por arma de fogo no Brasil a cada hora? 6 da manhã...7...8... Desde a hora que saiu de sua casa, mais de 10 jovens negros foram mortos hoje!
Tem culpados? Nas mãos de quem estão essas armas se a população não tem porte de armas de fogo? O engraçado é que balas só são perdidas nas periferias... nunca são perdidas no “Morumbis”, “Leblons”, em “Copa cabanas” ou “Jardins”...
Onde está sua “consciência humana” quando não aparecem negros e negras na TV? Onde está ela para estranhar o fato de termos um congresso nacional formado majoritariamente por homens... brancos?
Onde está sua “consciência humana” quando vota em partidos políticos que propõe atrasos na demarcação das terras quilombolas e indígenas no Brasil?
Onde está sua “consciência humana” quando diz “Somos todos Maju” mas muda de calçada ao ver um negro em sua direção ou esconde a bolsa ?
Onde está sua “consciência humana” quando grita VIVA BOLSONARO, sabendo que ele é racista, machista e homofóbico?
Pergunto, ainda: Onde está sua “consciência humana” quando diz que ama as comunidades, mas se cala e vota num governo que “Proíbe a nós de fazermos roça para plantar e comer?”  Um mesmo governo cujas leis ambientais não permitem perpetuar nossa própria cultura?
Onde está sua “consciência humana” quando diz que as comunidades quilombolas vivem de ajudas do governo, mas CEGA e RECUSA-SE a ver as mais de 80 toneladas de produtos que saem das roças do nosso povo direto para a mesa de escolas e instituições de mais de 6 municípios todo mês?
E eu lhe pergunto, ainda, onde está sua “consciência humana” quando é contra a legalização do aborto, e grita ser favorável a vida; mas defende a pena de morte, bradando que bandido bom é bandido morto? Ah! Só uma informação ... a maior parte das mulheres que morrem ou sofrem com uma gravidez indesejada são NEGRAS!
Falar de consciência negra é refletir sobre o racismo que mata! É falar da autoestima da jovem com o cabelo crespo e ainda não empoderada! É falar do menino que raspa a cabeça com vergonha da raiz crespa!
Falar de consciência negra é preocupar-se com nossos alunos e alunas que saem do EM e não conseguem ingressar no Ensino Superior. É refletir sobre o aluno que está no 6º ano, mas não sabe ler e nem escrever... Onde está sua “consciência humana”? Humana?
Falar de consciência negra é levar professores municipais e estaduais a conhecerem realmente as comunidades, dar formação e condições de trabalho, visando melhorias na educação básica nas comunidades quilombolas...
Falar de consciência negra é falar de história DO BRASIL ! É falar dos construtores e construtoras deste país... deste Vale do Ribeira. É falar daqueles e daquelas que construíram e constroem este município mas continuam sofrendo o racismo institucional... É falar daqueles que são alvos de olhares “tortos” quando ocupam os mercados, espaços públicos, lojas e bares no centro da cidade...
Portanto, pare de falar que “a Consciência é humana e blá blá blá!” Ela não é e nunca foi! Nosso grito ecoará chamando atenção de todos! Enquanto a sociedade não nos respeitar, enquanto o racismo perdurar, enquanto nossos jovens continuarem sendo assassinados pela Polícia, enquanto nossas terras não forem regularizadas, enquanto o governo nos proibir plantar pra sobreviver, enquanto não formos tratados de igual para igual, enquanto as TVs não nos mostrarem, enquanto o congresso não nos representar; gritaremos sempre: CONSCIÊNCIA NEGRA! Entendeu?




[1] Discurso proferido na abertura do Evento “Dia da Consciência Negra-2017” na EE Maria Antonia Chules Princesa no dia 20 de Novembro.
[2] Luiz Ketu-- Luiz Marcos de França Dias—é quilombola da Comunidade Quilombo São Pedro onde é vice-presidente da Associação da comunidade, dá oficinas e coordenador do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim e liderança regional se tratando de educação escolar quilombola. Graduado em Letras e em Pedagogia, é professor na EE Maria Antonia Chules Princesa. 

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