Vamos falar de Consciência Negra?[1]
Luiz
Ketu[2]
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos.” ADCT (Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias) da Constituição Federal de 1988.
“Nos estabelecimentos de ensino fundamental
e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História
e Cultura Afro-Brasileira.” Lei 10.639-03
“Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena”. Lei 11.645/08
Vamos
falar de Consciência Negra?
Após
luta dos movimentos negro e quilombola pelo reconhecimento de lideranças negras
que o Brasil sempre insiste em invisibilizar, o dia 20 de novembro foi
escolhido como o Dia Nacional da Consciência Negra.
Dia em
que Zumbi dos Palmares foi assassinado, após liderar o Quilombo de Palmares que
resistiu quase 100 anos, até ser destruído com apoio do Estado!
Palmares
fora destruído, mas em nossas veias corre o mesmo sangue de luta e RESISTÊNCIA de
Zumbi, Dandara, Carolina Maria de Jesus, Cartola, Chiquinha Gonzaga, Bernardo Furquim, Rosa Machado,
Vandir de França, Carlito, Nizete, Luiza Mahin, Mãe Menininha, Machado de Assis
e tantos outros e outras !
Muita
gente ainda insiste em falar que devemos ter “Consciência humana” e não “Consciência negra”, já que somos todos
humanos, não é mesmo?
Mas ... onde está a sua “consciência humana” para
analisar o fato de serem os negros as minoria nas universidades?
Onde
está sua “consciência humana” quando o Atlas da Violência de 2017 revela que 3
jovens negros são assassinados por arma de fogo no Brasil a cada hora? 6 da
manhã...7...8... Desde a hora que saiu de sua casa, mais de 10 jovens negros
foram mortos hoje!
Tem
culpados? Nas mãos de quem estão essas armas se a população não tem porte de
armas de fogo? O engraçado é que balas só são perdidas nas periferias... nunca
são perdidas no “Morumbis”, “Leblons”, em “Copa cabanas” ou “Jardins”...
Onde
está sua “consciência humana” quando não aparecem negros e negras na TV? Onde
está ela para estranhar o fato de termos um congresso nacional formado
majoritariamente por homens... brancos?
Onde
está sua “consciência humana” quando vota em partidos políticos que propõe
atrasos na demarcação das terras quilombolas e indígenas no Brasil?
Onde
está sua “consciência humana” quando diz “Somos todos Maju” mas muda de calçada
ao ver um negro em sua direção ou esconde a bolsa ?
Onde
está sua “consciência humana” quando grita VIVA BOLSONARO, sabendo que ele é
racista, machista e homofóbico?
Pergunto,
ainda: Onde está sua “consciência humana” quando diz que ama as comunidades,
mas se cala e vota num governo que “Proíbe a nós de fazermos roça para plantar
e comer?” Um mesmo governo cujas leis
ambientais não permitem perpetuar nossa própria cultura?
Onde
está sua “consciência humana” quando diz que as comunidades quilombolas vivem
de ajudas do governo, mas CEGA e RECUSA-SE a ver as mais de 80 toneladas de produtos
que saem das roças do nosso povo direto para a mesa de escolas e instituições
de mais de 6 municípios todo mês?
E eu
lhe pergunto, ainda, onde está sua “consciência humana” quando é contra a
legalização do aborto, e grita ser favorável a vida; mas defende a pena de
morte, bradando que bandido bom é bandido morto? Ah! Só uma informação ... a
maior parte das mulheres que morrem ou sofrem com uma gravidez indesejada são
NEGRAS!
Falar
de consciência negra é refletir sobre o racismo que mata! É falar da autoestima
da jovem com o cabelo crespo e ainda não empoderada! É falar do menino que
raspa a cabeça com vergonha da raiz crespa!
Falar
de consciência negra é preocupar-se com nossos alunos e alunas que saem do EM e
não conseguem ingressar no Ensino Superior. É refletir sobre o aluno que está
no 6º ano, mas não sabe ler e nem escrever... Onde está sua “consciência
humana”? Humana?
Falar
de consciência negra é levar professores municipais e estaduais a conhecerem
realmente as comunidades, dar formação e condições de trabalho, visando
melhorias na educação básica nas comunidades quilombolas...
Falar
de consciência negra é falar de história DO BRASIL ! É falar dos construtores e
construtoras deste país... deste Vale do Ribeira. É falar daqueles e daquelas
que construíram e constroem este município mas continuam sofrendo o racismo
institucional... É falar daqueles que são alvos de olhares “tortos” quando
ocupam os mercados, espaços públicos, lojas e bares no centro da cidade...
Portanto,
pare de falar que “a Consciência é humana e blá blá blá!” Ela não é e nunca
foi! Nosso grito ecoará chamando atenção de todos! Enquanto a sociedade não nos
respeitar, enquanto o racismo perdurar, enquanto nossos jovens continuarem
sendo assassinados pela Polícia, enquanto nossas terras não forem
regularizadas, enquanto o governo nos proibir plantar pra sobreviver, enquanto
não formos tratados de igual para igual, enquanto as TVs não nos mostrarem,
enquanto o congresso não nos representar; gritaremos sempre: CONSCIÊNCIA NEGRA!
Entendeu?
[1] Discurso
proferido na abertura do Evento “Dia da Consciência Negra-2017” na EE Maria
Antonia Chules Princesa no dia 20 de Novembro.
[2]
Luiz Ketu-- Luiz Marcos de França Dias—é quilombola da Comunidade Quilombo São
Pedro onde é vice-presidente da Associação da comunidade, dá oficinas e
coordenador do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim e liderança regional se
tratando de educação escolar quilombola. Graduado em Letras e em Pedagogia, é
professor na EE Maria Antonia Chules Princesa.