domingo, 26 de junho de 2022

Escola Quilombola realiza estudo de campo no Quilombo São Pedro

por Luiz Ketu*

"É uma experiência que devemos seguir, saber como surgiu esse aprendizado, que é passado de geração a geração, através dos saberes, das nossas raízes e dos nossos mais velhos” (Bruna Marinho da Silva)

  A última sexta-feira, 24 de junho de 2022 foi mais um “dia mágico”, momento que refletiu a “identidade cultural de uma escola, o conhecimento ancestral, a partilha, o ensinar com amor”, segundo noticiou a página oficial da EE Maria Antonia Chules Princesa em uma rede social. A escola estadual localiza no Quilombo André Lopes, atende outras seis comunidades quilombolas do entorno, no município de Eldorado, estado de São Paulo. A postagem, acompanhada de fotos, refere-se ao estudo de campo realizado por estudantes do Ensino Médio da unidade escolar no Quilombo São Pedro. Também participaram das atividades estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, da EMEIF Quilombo São Pedro, acompanhados pelas professoras Jeniffer Rocha da Silva e Márcia Cristina Américo.
O ônibus chegou pela manhã, quando os raios solares matinais aos poucos apareciam e ocupavam o lugar da neblina, que cobria a estrada, morros e rios da Lavrinha, antigo nome do Quilombo São Pedro. Ao som dos atabaques, a roda de conversa composta por estudantes, professores e professoras da unidade escolar, universitárias/os, monitores/as e lideranças comunitárias foi se formando.
 A recepção com café, chá, caldo-de-cana, batata doce, cará, mandioca, banana frita e taiá precedeu o bate-papo coordenado por representantes da Associação Quilombo São Pedro, onde os presentes interagiram a partir de temas como histórico de resistência e organização da comunidade, racismo ambiental, direitos territoriais, roça de coivara, saberes ancestrais quilombolas, projetos de barragens o Rio Ribeira, movimentos sociais, sistema agrícola quilombola, entre outros. A atividade foi idealizada e proposta pelo professor Elson Alves da Silva, como parte das aulas de História e Geografia, ministradas no Ensino Médio. “A educação escolar Quilombola é ir além da teoria em sala, pois os alunos precisam conhecer o seu território em todas as esferas, de onde vieram, quem são e para onde irão. E isso só é possível nas nossas aulas de campo, onde a teoria é colocada em prática, com conteúdo interdisciplinar”, relatou o professor Silva, que é residente do Quilombo Ivaporunduva.
  Em pequenos grupos, docentes e estudantes participaram das oficinas de ervas medicinais e carrinho de embaúva e vivências na roça, horta e igreja católica, onde tiveram a experiência, a partir da cosmopercepção, histórias e práticas presentes na comunidade. “Foi uma experiência muito incrível, no qual não só eu, mas todos os alunos tiveram a oportunidade de aprofundar mais os conhecimentos, o modo de viver, plantar e colher do quilombo. É uma experiência que devemos seguir, saber como surgiu esse aprendizado, que é passado de geração a geração, através dos saberes, das nossas raízes e dos nossos mais velhos”, apontou Bruna Marinho da Silva, do Quilombo Ivaporunduva, estudante da 2ª série do Ensino Médio.
Neste puxirão educacional, parafraseando Paulo Freire, o movimento propicia que docentes, ao ensinarem também aprendem, não sendo o aprendizado unilateral, reconhecido, inclusive pelos alunos. “Vejo o estudo de campo como uma oportunidade de ver e estudar tanto a Cultura quanto a Ciência por trás de todas as oficinas e momentos de conversa. E para os professores reitero que é um aprofundamento daquilo que eles nos passam na sala de aula, seja de qualquer matéria eles podem estar aplicando em sala”, afirmou Danilo Alves Andrade Silva, do Quilombo Sapatú, estudante da 3ª série do Ensino Médio e presidente do Grêmio Estudantil.
  Mesmo sendo uma escola localizada em território quilombola, a unidade de ensino ainda não conta com um currículo diferenciado, que leve em consideração os saberes ancestrais da comunidade local e formação de docentes, atendendo dispositivos legais como as Leis 10639/03 e 11645/08, que tratam do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, e a Resolução CNE/CEB nº08/2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Com pouco ou quase nenhum apoio no que tange a ações deste campo, tais ações emergem de agentes locais, apoiadas pela equipe gestora da instituição, como ocorreu em 2017 e agora, na última sexta-feira, 24. “A atividade de campo é um processo indispensável para associar teoria e prática. É também a rica possibilidade de fazer com que todas às áreas do conhecimento possam trabalhar em conjunto, além de contribuir para a formação cidadã do indivíduo. Entendo que a o currículo oculto é fundamental, afinal, é nele que você encontra a identidade da escola, por isso momentos como esse devem sempre estar presente, apontou o professor Henrique Pelicer Siqueira, diretor da escola. 
  Em momentos atuais de afronta aos direitos adquiridos, tentativas de imposição de projetos sem consulta prévia às comunidades, ameaças territoriais e tantas outras, o encerramento da atividade com uma ciranda evolvendo a todas as pessoas presentes, de mãos dadas, demonstra a necessidade de continuarmos de mãos dadas, com um só objetivo: uma educação que contemple diferentes saberes, sem hegemonização. 






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* Luiz Ketu (Luiz Marcos de França Dias) Quilombola do Quilombo São Pedro, integrante do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ, pesquisador, docente na Rede Estadual de Ensino de São Paulo, mestre em Educação. Coautor de "Roça é vida" e "Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola".