domingo, 24 de outubro de 2021

Mulheres Quilombolas realizam 9º Encontro no Vale do Ribeira-SP

*por Luiz Ketu, com colaboração de Cristina Américo
(...)"Com fé, força e ardor
com muita união,
por isso é que eu digo:
lutar sempre em mutirão.
Quilombola sempre foi soldado
que cedo ao trabalho sai
cuida do seu roçado
não pode descuidar
tudo tem tempo marcado
na hora de plantar.
(...)"

O trecho do poema de dona Leonila Priscila da Costa Pontes, do Quilombo Abobral Margem Esquerda, município de Eldorado-SP, extraído do Livro Roça é vida, dava boas-vindas às mulheres e crianças no Centro de visitantes do Quilombo Ivaporunduva. Juntamente ao escrito, estavam expostas no mural fotos de Petronilha Dias, Nisete Rodrigues da Silva e Aristides de França, homenageando as lideranças que fizeram sua passagem e deixaram seu legado. Plantaram as sementes, que hoje crescem, florescem e continuam dando bons frutos.

Por volta das 13h15 do dia 23 de outubro, um sábado ensolarado após dias seguidos de chuva, o ônibus chegou trazendo mulheres dos Quilombos São Pedro e Galvão. Aos poucos foram chegando também mulheres dos Quilombos Nhunguara, Sapatú, André Lopes, Porto Velho, Piririca e Ivaporunduva, que sediou o evento. O movimento é organizado pelas mulheres dos territórios, após mais de uma década de "invisibilização" da temática por parte de diversos segmentos e organizações.

Na pauta do encontro, foram partilhadas discussões sobre as “Bases legais da Educação escolar quilombola”, apresentadas por Viviane Marinho Luiz, do Quilombo Ivaporunduva e Márcia Cristina Américo, do Quilombo São Pedro; ambas possuem doutorado em educação e são docentes de ensino fundamental em suas respectivas comunidades. Pensar sobre esse tema é refletir sobre táticas de fortalecimento e emancipação do povo quilombola. No contexto das comunidades do Vale do Ribeira-SP a educação deve ser pautada nos saberes da roça de coivara quilombola, pois ela não reflete somente a produção de alimentos, o que por si só seria suficiente, mas deve ser concebida como a base do aprendizado das crianças e jovens nas instituições escolares; por isso, o coletivo Mulheres Quilombolas na Luta defende a importância da roça, numa intersecção com a educação escolar.
Como o encontro também é lugar de materialização da organização coletiva, estão presentes crianças e jovens, que passaram a ter momentos e espaços diferenciados. As crianças, acompanhadas de duas monitoras, foram desenhar, pintar e realizar atividades lúdicas; já as jovens se reuniram, em momento determinado, para levantamento das demandas específicas desse segmento, a serem apresentadas e inseridas nas frentes de atuação do coletivo como um todo.
Esse grande mutirão ainda contou com breve participação da Deputada Estadual Érica Malunguinho (PSOL), que em visita à região, incluiu em sua agenda, uma breve participação no encontro, reconhecendo a importância política do coletivo “(...)não se faz política só na casa legislativa ou na câmara de vereadores, isso que está acontecendo aqui é fazer política. Fazer política é agir na coletividade”, disse a deputada estadual, que visitou as comunidades quilombolas São Pedro, Galvão, André Lopes, Nhunguara, Sapatú, Ivaporunduva e a Escola Estadual Maria Antonia Chules Princesa, no município de Eldorado e a comunidade quilombo Porto Velho, em Iporanga-SP.
Como nas reunidas e puxirões não podem faltar o alimento, ao final do encontro a partilha aconteceu. Em lugar de refrigerante, os sucos de frutas da época. Os pães e sanduíches, comumente vistos em festas e eventos mundo afora, por aqui não são figurões, e em seus lugares o cará, a mandioca, o taiá, a torta de palmito e outros alimentos são apreciados. Comer também é um ato político! A semente ou muda, plantada por essas mulheres, se transformou numa planta, cuidada, cultivada, no tempo certo, colhida, agora preparada para ser partilhada! O poema do início nos diz que “tudo tem tempo marcado/ na hora de plantar”, mas não versa sobre a colheita, que é aqui e agora, onde colhemos os frutos de Petronilha, Nisete, Aristides e tantas outras e outros, mas também semeamos para as próximas gerações. 

Saiba mais em:

YouTube Mulheres quilombolas Na luta

Fotos: Letícia Ester de França 📸

* Luiz Ketu- Luiz Marcos de França Dias é do Quilombo São Pedro, capoeira, docente de escola pública, mestre em educação, pesquisador e membro do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ.  
* Cristina Américo- Márcia Cristina Américo é do Quilombo São Pedro, articuladora do Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta, integrante do Coletivo Nacional de educação e Coletivo Nacional de Mulheres da CONAQ. Docente de escola pública, pesquisadora, mestra e doutora em educação.