domingo, 26 de junho de 2022

Escola Quilombola realiza estudo de campo no Quilombo São Pedro

por Luiz Ketu*

"É uma experiência que devemos seguir, saber como surgiu esse aprendizado, que é passado de geração a geração, através dos saberes, das nossas raízes e dos nossos mais velhos” (Bruna Marinho da Silva)

  A última sexta-feira, 24 de junho de 2022 foi mais um “dia mágico”, momento que refletiu a “identidade cultural de uma escola, o conhecimento ancestral, a partilha, o ensinar com amor”, segundo noticiou a página oficial da EE Maria Antonia Chules Princesa em uma rede social. A escola estadual localiza no Quilombo André Lopes, atende outras seis comunidades quilombolas do entorno, no município de Eldorado, estado de São Paulo. A postagem, acompanhada de fotos, refere-se ao estudo de campo realizado por estudantes do Ensino Médio da unidade escolar no Quilombo São Pedro. Também participaram das atividades estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, da EMEIF Quilombo São Pedro, acompanhados pelas professoras Jeniffer Rocha da Silva e Márcia Cristina Américo.
O ônibus chegou pela manhã, quando os raios solares matinais aos poucos apareciam e ocupavam o lugar da neblina, que cobria a estrada, morros e rios da Lavrinha, antigo nome do Quilombo São Pedro. Ao som dos atabaques, a roda de conversa composta por estudantes, professores e professoras da unidade escolar, universitárias/os, monitores/as e lideranças comunitárias foi se formando.
 A recepção com café, chá, caldo-de-cana, batata doce, cará, mandioca, banana frita e taiá precedeu o bate-papo coordenado por representantes da Associação Quilombo São Pedro, onde os presentes interagiram a partir de temas como histórico de resistência e organização da comunidade, racismo ambiental, direitos territoriais, roça de coivara, saberes ancestrais quilombolas, projetos de barragens o Rio Ribeira, movimentos sociais, sistema agrícola quilombola, entre outros. A atividade foi idealizada e proposta pelo professor Elson Alves da Silva, como parte das aulas de História e Geografia, ministradas no Ensino Médio. “A educação escolar Quilombola é ir além da teoria em sala, pois os alunos precisam conhecer o seu território em todas as esferas, de onde vieram, quem são e para onde irão. E isso só é possível nas nossas aulas de campo, onde a teoria é colocada em prática, com conteúdo interdisciplinar”, relatou o professor Silva, que é residente do Quilombo Ivaporunduva.
  Em pequenos grupos, docentes e estudantes participaram das oficinas de ervas medicinais e carrinho de embaúva e vivências na roça, horta e igreja católica, onde tiveram a experiência, a partir da cosmopercepção, histórias e práticas presentes na comunidade. “Foi uma experiência muito incrível, no qual não só eu, mas todos os alunos tiveram a oportunidade de aprofundar mais os conhecimentos, o modo de viver, plantar e colher do quilombo. É uma experiência que devemos seguir, saber como surgiu esse aprendizado, que é passado de geração a geração, através dos saberes, das nossas raízes e dos nossos mais velhos”, apontou Bruna Marinho da Silva, do Quilombo Ivaporunduva, estudante da 2ª série do Ensino Médio.
Neste puxirão educacional, parafraseando Paulo Freire, o movimento propicia que docentes, ao ensinarem também aprendem, não sendo o aprendizado unilateral, reconhecido, inclusive pelos alunos. “Vejo o estudo de campo como uma oportunidade de ver e estudar tanto a Cultura quanto a Ciência por trás de todas as oficinas e momentos de conversa. E para os professores reitero que é um aprofundamento daquilo que eles nos passam na sala de aula, seja de qualquer matéria eles podem estar aplicando em sala”, afirmou Danilo Alves Andrade Silva, do Quilombo Sapatú, estudante da 3ª série do Ensino Médio e presidente do Grêmio Estudantil.
  Mesmo sendo uma escola localizada em território quilombola, a unidade de ensino ainda não conta com um currículo diferenciado, que leve em consideração os saberes ancestrais da comunidade local e formação de docentes, atendendo dispositivos legais como as Leis 10639/03 e 11645/08, que tratam do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, e a Resolução CNE/CEB nº08/2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Com pouco ou quase nenhum apoio no que tange a ações deste campo, tais ações emergem de agentes locais, apoiadas pela equipe gestora da instituição, como ocorreu em 2017 e agora, na última sexta-feira, 24. “A atividade de campo é um processo indispensável para associar teoria e prática. É também a rica possibilidade de fazer com que todas às áreas do conhecimento possam trabalhar em conjunto, além de contribuir para a formação cidadã do indivíduo. Entendo que a o currículo oculto é fundamental, afinal, é nele que você encontra a identidade da escola, por isso momentos como esse devem sempre estar presente, apontou o professor Henrique Pelicer Siqueira, diretor da escola. 
  Em momentos atuais de afronta aos direitos adquiridos, tentativas de imposição de projetos sem consulta prévia às comunidades, ameaças territoriais e tantas outras, o encerramento da atividade com uma ciranda evolvendo a todas as pessoas presentes, de mãos dadas, demonstra a necessidade de continuarmos de mãos dadas, com um só objetivo: uma educação que contemple diferentes saberes, sem hegemonização. 






Para mais fotos e informações da escola, clique AQUI


* Luiz Ketu (Luiz Marcos de França Dias) Quilombola do Quilombo São Pedro, integrante do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ, pesquisador, docente na Rede Estadual de Ensino de São Paulo, mestre em Educação. Coautor de "Roça é vida" e "Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola".


domingo, 24 de outubro de 2021

Mulheres Quilombolas realizam 9º Encontro no Vale do Ribeira-SP

*por Luiz Ketu, com colaboração de Cristina Américo
(...)"Com fé, força e ardor
com muita união,
por isso é que eu digo:
lutar sempre em mutirão.
Quilombola sempre foi soldado
que cedo ao trabalho sai
cuida do seu roçado
não pode descuidar
tudo tem tempo marcado
na hora de plantar.
(...)"

O trecho do poema de dona Leonila Priscila da Costa Pontes, do Quilombo Abobral Margem Esquerda, município de Eldorado-SP, extraído do Livro Roça é vida, dava boas-vindas às mulheres e crianças no Centro de visitantes do Quilombo Ivaporunduva. Juntamente ao escrito, estavam expostas no mural fotos de Petronilha Dias, Nisete Rodrigues da Silva e Aristides de França, homenageando as lideranças que fizeram sua passagem e deixaram seu legado. Plantaram as sementes, que hoje crescem, florescem e continuam dando bons frutos.

Por volta das 13h15 do dia 23 de outubro, um sábado ensolarado após dias seguidos de chuva, o ônibus chegou trazendo mulheres dos Quilombos São Pedro e Galvão. Aos poucos foram chegando também mulheres dos Quilombos Nhunguara, Sapatú, André Lopes, Porto Velho, Piririca e Ivaporunduva, que sediou o evento. O movimento é organizado pelas mulheres dos territórios, após mais de uma década de "invisibilização" da temática por parte de diversos segmentos e organizações.

Na pauta do encontro, foram partilhadas discussões sobre as “Bases legais da Educação escolar quilombola”, apresentadas por Viviane Marinho Luiz, do Quilombo Ivaporunduva e Márcia Cristina Américo, do Quilombo São Pedro; ambas possuem doutorado em educação e são docentes de ensino fundamental em suas respectivas comunidades. Pensar sobre esse tema é refletir sobre táticas de fortalecimento e emancipação do povo quilombola. No contexto das comunidades do Vale do Ribeira-SP a educação deve ser pautada nos saberes da roça de coivara quilombola, pois ela não reflete somente a produção de alimentos, o que por si só seria suficiente, mas deve ser concebida como a base do aprendizado das crianças e jovens nas instituições escolares; por isso, o coletivo Mulheres Quilombolas na Luta defende a importância da roça, numa intersecção com a educação escolar.
Como o encontro também é lugar de materialização da organização coletiva, estão presentes crianças e jovens, que passaram a ter momentos e espaços diferenciados. As crianças, acompanhadas de duas monitoras, foram desenhar, pintar e realizar atividades lúdicas; já as jovens se reuniram, em momento determinado, para levantamento das demandas específicas desse segmento, a serem apresentadas e inseridas nas frentes de atuação do coletivo como um todo.
Esse grande mutirão ainda contou com breve participação da Deputada Estadual Érica Malunguinho (PSOL), que em visita à região, incluiu em sua agenda, uma breve participação no encontro, reconhecendo a importância política do coletivo “(...)não se faz política só na casa legislativa ou na câmara de vereadores, isso que está acontecendo aqui é fazer política. Fazer política é agir na coletividade”, disse a deputada estadual, que visitou as comunidades quilombolas São Pedro, Galvão, André Lopes, Nhunguara, Sapatú, Ivaporunduva e a Escola Estadual Maria Antonia Chules Princesa, no município de Eldorado e a comunidade quilombo Porto Velho, em Iporanga-SP.
Como nas reunidas e puxirões não podem faltar o alimento, ao final do encontro a partilha aconteceu. Em lugar de refrigerante, os sucos de frutas da época. Os pães e sanduíches, comumente vistos em festas e eventos mundo afora, por aqui não são figurões, e em seus lugares o cará, a mandioca, o taiá, a torta de palmito e outros alimentos são apreciados. Comer também é um ato político! A semente ou muda, plantada por essas mulheres, se transformou numa planta, cuidada, cultivada, no tempo certo, colhida, agora preparada para ser partilhada! O poema do início nos diz que “tudo tem tempo marcado/ na hora de plantar”, mas não versa sobre a colheita, que é aqui e agora, onde colhemos os frutos de Petronilha, Nisete, Aristides e tantas outras e outros, mas também semeamos para as próximas gerações. 

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YouTube Mulheres quilombolas Na luta

Fotos: Letícia Ester de França 📸

* Luiz Ketu- Luiz Marcos de França Dias é do Quilombo São Pedro, capoeira, docente de escola pública, mestre em educação, pesquisador e membro do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ.  
* Cristina Américo- Márcia Cristina Américo é do Quilombo São Pedro, articuladora do Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta, integrante do Coletivo Nacional de educação e Coletivo Nacional de Mulheres da CONAQ. Docente de escola pública, pesquisadora, mestra e doutora em educação. 



















domingo, 19 de setembro de 2021

Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta celebra aniversário de 2 anos

*por Luiz Ketu e Cristina Américo

"A importância do Coletivo e das mulheres estarem reunidas é que uma fortalece a outra. Porque se nós não tivermos organizadas, nós não chegamos em lugar nenhum" (Elvira Morato- Quilombo São Pedro)

  Poderia ser mais um dia comum de um final de semana comum no Quilombo São Pedro, comunidade localizada no município de Eldorado-SP, na região do Vale do Ribeira. Este sábado, 18 de setembro de 2021, foi mais do que especial, pois o Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta celebra seus dois anos de existência. 

Na pauta foram abordados assuntos como a importância de Paulo Freire na educação brasileira, relatos de vivências em tempos de pandemia, importância do setembro amarelo, entre outros. Após a palavra, a partilha foi de alimentos. No cardápio torta e pastel de palmito, bolos, beiju, bolinho de chuchu, broa de milho, bolinho de cara, banana frita, bolinho de chuva, bolinho de mandioca, café, diferentes tipos de chá e suco. Sabores da roça quilombola na mesa, vinda dos saberes das mais velhas.

Neste encontro estiveram presentes 40 mulheres e 16 crianças, das comunidades quilombolas Ivaporunduva, Nhunguara e São Pedro. No entanto, a organização conta também com integrantes dos quilombos Piririca e Galvão. 



Retomando a história…

O Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta, ligado ao Coletivo de Mulheres da Coordenação Nacional de Quilombos (CONAQ), surge no ano de 2019 como organização intercomunitária visando o enfrentamento ao machismo, racismo e todos os tipos de preconceito que atingem mulheres quilombolas dentro e fora de seus territórios.

Após mais de 17 anos invisibilizadas nos movimentos sociais e impactadas por um período curto de suicídios de jovens dos territórios, agricultoras, professoras, doutoras em educação, pedagogas, artesãs, universitárias e mestras dos saberes ancestrais quilombolas passaram a se reunir mensalmente com o intuito de partilhar vivências, estudar autoras como bell hooks, Angela Davis, Carolina de Jesus e elaborar táticas de fortalecimento e defesa dos territórios quilombolas. "Primeiramente nós lutamos muito pelo nosso território. (...) Também pela saúde, escola, estrada boa. Só que teve uma hora que precisamos parar e pensar no que ainda precisamos lutar para adquirir os direitos das mulheres negras, das mulheres quilombolas e das mulheres agricultoras", aponta a quilombola Elvira Morato, da comunidade São Pedro e integrante do coletivo. 

Sem fontes de financiamento, já ocorreram vezes das mulheres irem caminhando de uma comunidade a outra para participarem dos encontros. As associações de cada território, cedem o espaço físico e estruturas locais, apoiando a iniciativa. Fortalecer a organização das mulheres é fortalecer o território coletivo. 

Os dois anos parecem pouco, mas são somente a consolidação das lutas de mulheres como  Roza Machado, Maria Mereciana, Nizete e muitas outras que se foram, mas continuam presente em cada momento da resistência comunitária. É a continuidade da resistência ao racismo, machismo, racismo institucional, homofobia, racismo ambiental e tantas outras formas de opressão impostas a essa parte da população, cujos ancestrais construíram essa nação.


Vida longa ao Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta!

Que continue inspirando mulheres e homens de dentro e de fora dos territórios quilombolas a lutarem contra as opressões!

Sigamos na luta! 


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YouTube Mulheres quilombolas Na luta

Fotos: Letícia Ester de França 📸

* Luiz Ketu- Luiz Marcos de França Dias é do Quilombo São Pedro, capoeira, docente de escola pública, mestre em educação, pesquisador e membro do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ.  
* Cristina Américo- Márcia Cristina Américo é do Quilombo São Pedro, articuladora do Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta, integrante do Coletivo Nacional de educação e Coletivo Nacional de Mulheres da CONAQ. Docente de escola pública, pesquisadora, mestra e doutora em educação. 

domingo, 16 de setembro de 2018

“A luta é permanente pela terra”


Por Luiz Ketu* 


        Na última sexta-feira, 14 de setembro, o Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim e a Associação Quilombo São Pedro promoveram o 5º encontro de uma série de Bate-papos, que vem ocorrendo na comunidade, com o intuito de formação. Intitulado “Transmissão de saberes tradicionais”, o evento contou com os relatos de experiência de Dona Elvira Morato e Seo Antonio Morato, que falaram de trabalho, modos de vida, lutas e resistência pela terra, escola, entre outros assuntos. Seu Antonio Morato ao falar das roças e maneira de trabalhar pontuou: “Desde a barriga da minha mãe eu já ia para a roça. Os homens trabalhavam bastante e as mulheres acompanhavam eles no trabalho... e as crianças também”, diz A. Morato.
Já a Dona Elvira ressaltou a necessidade de defendermos sempre o território, pois segundo ela “A luta é pela terra, sem a terra onde eu vou morar? A luta é permanente, passe o que passar, é pela terra!”, afirma E. Morato. Entre o desejo de comprar uma caneca de ágata quando jovem e anseios contemporâneos, ela almeja “que os mais velhos e os mais novos não percam a esperança na comunidade. A terra é nossa! Procurem conhecer a história” finalizou Dona Elvira, ressaltando a importância dos mais jovens conhecerem a história dos antepassados, para manutenção da cultura quilombola.

Trocando conhecimentos

  A cada edição do evento duas pessoas são convidadas a partilhar conhecimentos e experiências com a comunidade. Já se debateram temas como acesso a universidade, cotas raciais, Adin 3239, território quilombola, Leia Áurea, Meio ambiente, entre outros, com a presença de universitários, professores, doutores e mestres da tradição oral. Tais encontros formativos fazem parte do rol de atividades do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim, que também realiza oficinas de capoeira, percussão, teatro e danças brasileiras diversas, para crianças e jovens da comunidade.


* Luiz Ketu (Luiz Marcos de França Dias) Líder comunitário, militante da temática negra com foco em Educação Escolar Quilombola, membro do Conselho de Educação Escolar Quilombola da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, Professor de Educação Básica da Rede Pública Estadual e Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba/UNIMEP)

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Associação Quilombo São Pedro realiza Bate-papo com o tema "Reflexões sobre o treze de maio"



No último dia 14 de Maio de 2018 ocorreu o IV Bate-Papo no Quilombo São Pedro. Promovido pelo Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim, com apoio da Associação Quilombo São Pedro, o evento é parte de uma série de encontros que focam a formação da comunidade em geral. Crianças, jovens, adultos e idosos da comunidade se fizeram presentes para trocas de informações e conhecimentos acerca do tema “Reflexões sobre o treze de maio”. Também estiveram presentes as professoras Tania Américo, Viviane Marinho Luiz, Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, residentes do Quilombo Ivaporunduva; Laudessandro Marinho da Silva e Cristiano Furquim, graduados em Administração, também da comunidade vizinha.
Os trabalhos foram mediados através de apresentação realizada sobre principais dispositivos legais/históricos que contribuíram para a marginalização do povo negro no Brasil, resultando na ausência de reconhecimento de direitos territoriais, elevada taxa de homicídio—sobretudo de jovens, racismo ambiental, entre outros. As discussões ainda contaram com importantes contribuições e direcionamentos de integrantes intelectuais do próprio Quilombo São Pedro como a professora Márcia Cristina Américo, Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba; Vanessa de França, Daniela Joana de França e Elizete de França Dias, estudantes do curso de Pedagogia. 

Na ocasião fora ressaltada a importância e necessidade de conhecermos a nossa história, a real história do povo negro quilombola, que no Brasil fora deturbada em função da história contada pelo colonizador que até hoje é tida como verdade para muitos. O “Treze de Maio não é pra se comemorar, mas para refletir sobre as mazelas do nosso povo negro e os reflexos de uma abolição inacabada”, disse Márcia Américo. Neste sentido, o evento indicou várias possibilidades para outras discussões como racismo, democratização da mídia, direitos territoriais, troca de conhecimentos tradicionais, educação escolar quilombola entre outros.
Neste momento de caça aos direitos de minorias que o Brasil vem atravessando é essencial a manutenção das comunidades tradicionais. Elas são as principais responsáveis pela salvaguarda e continuidade da história, esperança e resistência, através dos modos de viver, se relacionar e preservar os recursos naturais; passados de geração em geração, daí a importância do encontro entre saberes/conhecimentos acadêmicos/ científicos e tradicionais. Visando isso, a maioria dos participantes do encontro sugeriu que as/os próximas/os expositoras/es sejam os nossos mais velhos, que tem muito a nos ensinar.
Fotos: fonte própria



* Luiz Ketu  (Luiz Marcos de França Dias- Líder comunitário, militante da temática negra com foco em Educação Escolar Quilombola, membro do Conselho de Educação Escolar Quilombola da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, Professor de Educação Básica da Rede Pública Estadual e Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba/UNIMEP)

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

vamos falar de Consciência Negra?

Vamos falar de Consciência Negra?[1]
Luiz Ketu[2]
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) da Constituição Federal de 1988.
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.” Lei 10.639-03
“Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Lei 11.645/08
Vamos falar de Consciência Negra?
Após luta dos movimentos negro e quilombola pelo reconhecimento de lideranças negras que o Brasil sempre insiste em invisibilizar, o dia 20 de novembro foi escolhido como o Dia Nacional da Consciência Negra.
Dia em que Zumbi dos Palmares foi assassinado, após liderar o Quilombo de Palmares que resistiu quase 100 anos, até ser destruído com apoio do Estado!
Palmares fora destruído, mas em nossas veias corre o mesmo sangue de luta e RESISTÊNCIA de Zumbi, Dandara, Carolina Maria de Jesus, Cartola, Chiquinha  Gonzaga, Bernardo Furquim, Rosa Machado, Vandir de França, Carlito, Nizete, Luiza Mahin, Mãe Menininha, Machado de Assis e tantos outros e outras !
Muita gente ainda insiste em falar que devemos ter “Consciência humana” e não “Consciência negra”, já que somos todos humanos, não é mesmo?
 Mas ... onde está a sua “consciência humana” para analisar o fato de serem os negros as minoria nas universidades?
Onde está sua “consciência humana” quando o Atlas da Violência de 2017 revela que 3 jovens negros são assassinados por arma de fogo no Brasil a cada hora? 6 da manhã...7...8... Desde a hora que saiu de sua casa, mais de 10 jovens negros foram mortos hoje!
Tem culpados? Nas mãos de quem estão essas armas se a população não tem porte de armas de fogo? O engraçado é que balas só são perdidas nas periferias... nunca são perdidas no “Morumbis”, “Leblons”, em “Copa cabanas” ou “Jardins”...
Onde está sua “consciência humana” quando não aparecem negros e negras na TV? Onde está ela para estranhar o fato de termos um congresso nacional formado majoritariamente por homens... brancos?
Onde está sua “consciência humana” quando vota em partidos políticos que propõe atrasos na demarcação das terras quilombolas e indígenas no Brasil?
Onde está sua “consciência humana” quando diz “Somos todos Maju” mas muda de calçada ao ver um negro em sua direção ou esconde a bolsa ?
Onde está sua “consciência humana” quando grita VIVA BOLSONARO, sabendo que ele é racista, machista e homofóbico?
Pergunto, ainda: Onde está sua “consciência humana” quando diz que ama as comunidades, mas se cala e vota num governo que “Proíbe a nós de fazermos roça para plantar e comer?”  Um mesmo governo cujas leis ambientais não permitem perpetuar nossa própria cultura?
Onde está sua “consciência humana” quando diz que as comunidades quilombolas vivem de ajudas do governo, mas CEGA e RECUSA-SE a ver as mais de 80 toneladas de produtos que saem das roças do nosso povo direto para a mesa de escolas e instituições de mais de 6 municípios todo mês?
E eu lhe pergunto, ainda, onde está sua “consciência humana” quando é contra a legalização do aborto, e grita ser favorável a vida; mas defende a pena de morte, bradando que bandido bom é bandido morto? Ah! Só uma informação ... a maior parte das mulheres que morrem ou sofrem com uma gravidez indesejada são NEGRAS!
Falar de consciência negra é refletir sobre o racismo que mata! É falar da autoestima da jovem com o cabelo crespo e ainda não empoderada! É falar do menino que raspa a cabeça com vergonha da raiz crespa!
Falar de consciência negra é preocupar-se com nossos alunos e alunas que saem do EM e não conseguem ingressar no Ensino Superior. É refletir sobre o aluno que está no 6º ano, mas não sabe ler e nem escrever... Onde está sua “consciência humana”? Humana?
Falar de consciência negra é levar professores municipais e estaduais a conhecerem realmente as comunidades, dar formação e condições de trabalho, visando melhorias na educação básica nas comunidades quilombolas...
Falar de consciência negra é falar de história DO BRASIL ! É falar dos construtores e construtoras deste país... deste Vale do Ribeira. É falar daqueles e daquelas que construíram e constroem este município mas continuam sofrendo o racismo institucional... É falar daqueles que são alvos de olhares “tortos” quando ocupam os mercados, espaços públicos, lojas e bares no centro da cidade...
Portanto, pare de falar que “a Consciência é humana e blá blá blá!” Ela não é e nunca foi! Nosso grito ecoará chamando atenção de todos! Enquanto a sociedade não nos respeitar, enquanto o racismo perdurar, enquanto nossos jovens continuarem sendo assassinados pela Polícia, enquanto nossas terras não forem regularizadas, enquanto o governo nos proibir plantar pra sobreviver, enquanto não formos tratados de igual para igual, enquanto as TVs não nos mostrarem, enquanto o congresso não nos representar; gritaremos sempre: CONSCIÊNCIA NEGRA! Entendeu?




[1] Discurso proferido na abertura do Evento “Dia da Consciência Negra-2017” na EE Maria Antonia Chules Princesa no dia 20 de Novembro.
[2] Luiz Ketu-- Luiz Marcos de França Dias—é quilombola da Comunidade Quilombo São Pedro onde é vice-presidente da Associação da comunidade, dá oficinas e coordenador do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim e liderança regional se tratando de educação escolar quilombola. Graduado em Letras e em Pedagogia, é professor na EE Maria Antonia Chules Princesa. 

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Quilombo São Pedro recebe escola quilombola para estudo de campo

 Quilombo São Pedro recebe escola quilombola para estudo de campo
 No último dia 10, terça-feira, a Associação Quilombo São Pedro recebeu um público já conhecido, mas diferente daqueles que esporadicamente visitam a comunidade: alunos e alunas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II da Escola Estadual Quilombola Maria Antonia Chules Princesa realizaram estudo de campo vendo na prática o que tem acesso em sala de aula através dos docentes. Os visitantes foram recepcionados pelas lideranças no Complexo Comunitário Vandir de França, centro comunitário que leva o nome de um importante líder da comunidade das décadas de 1970 a 2000, na luta pelos direitos territoriais das comunidades. Na ocasião fora relatado sobre o início da comunidade até os dias atuais; esta originada a partir da vinda de Bernardo Furquim, a procura do pai dele, e Rosa Machado, sua esposa, para a região. Lavrinha, como era chamado o bairro antigamente, surgiu por volta do ano de 1825 e os filhos e filhas do casal foram se espalhando pelas comunidades de Galvão, Ivaporunduva, André Lopes, Sapatú, Ostra e Nhunguara. Os alunos aprenderam também sobre as importâncias do território quilombola e da organização da comunitária em Associação, visando o bem comum.
Na comunidade estudantes foram agrupados por salas, acompanhados de dois docentes e um casal de monitores para realização do roteiro. As turmas acompanharam o processamento da mandioca para fazer farinha, iniciando desde a ida a roça para colher o tubérculo, até o processo final de torra. O processo de socar arroz no pilão foi outra atividade prática; além disso, os discentes puderam, ainda, visitar a Casa de memórias, onde conheceram e relembraram utensílios comumente usados antigamente e alguns até os dias de hoje como serra de madeira, lampião, ferro de passar roupa, máquina de costura, gamela e muitos outros. Os grupos também realizaram visita guiada a Capela de São Pedro, que localiza-se ao centro da comunidade e carrega importante significado, vistas as histórias contadas de geração em geração. Ao final das atividades tocaram instrumentos de percussão do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim e jogaram futebol de campo sob o pôr do sol. Para as próximas semanas estão previstas as mesmas ações para todo o Ensino Médio.
A ação faz parte de uma série de atividades que a escola quilombola tem realizado nos últimos anos. Em 2015 todos os estudantes visitaram a Caverna do Diabo; em 2016 e 2017 as saídas de campo foram nos Quilombos Ivaporunduva e São Pedro, respectivamente. Além disso, o grupo de docentes também conheceu previamente todas as comunidades realizando conversa com as lideranças visando formação para atuação em sala de aula, atendendo a Resolução CNE/CP nº08 e as Leis 10639/03 e 11645/8. No ano de 2015 as ATPCs (aulas de Trabalho pedagógico Coletivo) se deram nas comunidades de Sapatú e André Lopes, em 2016 Galvão, São Pedro e Nhunguara receberam os professores e, por fim, em 2017 a equipe fechou o primeiro ciclo com as comunidades Ostra e Ivaporunduva.

Essas ações, embora tardias, partem esclusivamente d@s docentes que lecionam na unidade escolar e também das Gestoras que lá atuam. Segundo a Diretora Josemira Golvea, “o objetivo é conhecer a comunidade para agregar ao pedagógico...”, diz. Os projetos têm se fortalecido nos últimos anos e estão ancoradas nos dispositivos legais. Eles visam levar pra dentro da escola o conhecimento tradicional em consonância com o conhecimento científico, e a este atribuir sentido em sala de aula, mostrando a necessidade de ambos serem entendidos como fontes convergentes, sem que o segundo valide o primeiro, como geralmente ocorre quando se trata de conhecimento.







 Fotos: Carina Rodrigues, professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II.